sábado, 14 de junho de 2008

"El Orfanato": crítica

Sinopse
Laura (Belén Rueda) regressa ao antigo orfanato onde foi criada, acompanhada pelo seu marido Carlos (Fernando Cayo) e o seu filho Simon (Roger Príncep), com o objectivo de transformar o velho e abandonado edifício num estabelecimento para crianças deficientes. Mas rapidamente, Simon confessa à Laura que tem comunicado com outras crianças que aparecem à volta da casa abandonada. De início, Laura não liga muito e acha que isso tudo é fruto da imaginação fértil do seu filho mas um terrível drama vai mudar a sua visão para sempre.

Comentário
Já é conhecido o actual estatuto de terra prometida do cinema de género europeu que nuestros hermanos representam e “O Orfanato” é mais uma prova brilhante dessa constatação. Se ultimamente só se tem falado do fenómeno “[Rec]”, a nova pérola vinda de Espanha não é o filme de Jaume Balagueró e Paco Plaza mas sim esta história de fantasmas e de casa assombrada, aparentemente demasiada clássica, e que se revela um melodrama introspectivo e emocionalmente avassalador sobre a morte da nossa criança interior e o luto particularmente doloroso que a mesma nos impõe.
À partida, “O Orfanato” poderá relembrar de forma prejudicial filmes relativamente recentes como “The Others – Os Outros” de Alejandro Amenábar ou “Frágeis” de Jaume Balagueró, sendo os evidentes pontos em comum uma heroína feminina, uma instituição assombrada e fantasmas de crianças que morreram de forma violenta.
Mas também poderemos citar “Nas Costas do Diabo” de Guillermo Del Toro, atendendo a que o genial realizador mexicano do “Labirinto do Fauno” é aqui produtor e a influência do seu universo tão particular, caracterizado por um olhar directo sobre o sofrimento, a anormalidade, o terror infantil e a Morte, é inegável.
Todavia, o jovem Bayona, estrela em Espanha pelos seus videoclips e premiado por algumas das suas curtas-metragens, soube utilizar todos os códigos inerentes ao género para desenvolver uma estrutura e uma diegese clássica de filme gótico de casa assombrada e assim melhor tornear o que o espectador espera de um filme desse tipo.
Citamos várias influências recentes há pouco mas o estilo clássico de Bayona e a sua mestria visual discreta levam-nos mais atrás no tempo, onde as referências incontornáveis são obras-primas como “Os Inocentes” de Jack Clayton (1961), “Rosemary’s Baby – A Semente do Diabo” de Roman Polanski (1968), “Full Circle” de Richard Loncraine (1977), “La Residencia” de Narciso Ibáñez Serrador (1969) e, directamente citados no filme, “The Haunting – A Casa Maldita” de Robert Wise (1963), com a cena do monólogo interior, e “Poltergeist – o Fenómeno” de Tobe Hooper (1982), com a sessão de espiritismo.

Utilizando inteligentemente estas referências para criar um universo próprio onde transparece de forma progressiva uma sensibilidade fora do comum, o cineasta fez na realidade de “O Orfanato” um falso filme de casa assombrada e um verdadeiro drama psicanalítico que subtilmente vai deixando de lado os efeitos de terror já mais do que explorados pelo género para nos falar directamente ao coração.
É essa característica que dá um toque especial ao filme e o transporta para além do seu estatuto de filme fantástico, entrando na esfera dos filmes de género com vários níveis de leitura. Se o cinema de género espanhol tem marcado tanta diferença em comparação com as tentativas europeias de outros países é porque os cineastas ibéricos têm levado a cabo uma verdadeira reflexão sobre esse mesmo cinema de género, procurando sempre quebrar os seus limites e recheando os seus filmes de questões existenciais pertinentes e universais.
Juan António Bayona insere-se portanto de imediato na categoria dos seus ilustres compatriotas, o seu universo ganhando pontos de contacto com o grande Nacho Cerdà, cineasta que traumatizou toda a gente o ano passado com o seu negríssimo e reflexivo “Os Abandonados”. Para além de um percurso inicial parecido, Bayona disserta da mesma forma intensa e intimista sobre o luto e o impacto da Morte, as introspecções, as tomadas de consciência, basicamente tudo o que compõe a nossa identidade e o nosso estatuto de ser humano.
Portanto, “O Orfanato” é daqueles filmes que são muito mais do que aparentam. A inteligência do argumentista Sérgio Sánchez, que assina aqui o seu 1º argumento, e do realizador é precisamente encobrir essas veleidades autorais profundas pela capa do classicismo, tanto em termos visuais como narrativos.

O filme avança mascarado, à semelhança da figura fantasmagórica de Tomás, destilando com parcimónia um ambiente perturbador e umas cenas de terror eficazes (inclusive uma cena gore inesperada e uma cena de jogo de Macaquinho de Chinês que ficará muito tempo nas nossas memórias) que fazem com que o espectador pense estar em terreno conhecido. No entanto, pouco a pouco, o filme vai se revelando à medida que o ambiente fica mais intimista e que o terror deixa o lugar à empatia e ao sentimentalismo, para explodir num dos clímaxes mais poderosos dos últimos anos a nível emocional.
Não ficando nada atrás dos filmes de Guillermo Del Toro, Jaume Balagueró ou Nacho Cerdà, “O Orfanato” é daquelas pérolas que não deixam dúvidas sobre a superioridade do cinema de género, demonstrando uma coerência narrativa exemplar na sua mistura entre realidade e fantasia, um rigor formal constante com grande fluidez de câmara e segurança de quadro e uma deferência indispensável para com o género na sua fé nas personagens, na história, no ambiente e nas temáticas abordadas. Tendo ainda em consideração que se trata de um 1º filme para o realizador, o argumentista e grande parte da equipa técnica, “O Orfanato” é um autêntico golpe de mestre com mais maturidade do que a maioria dos falsos filmes de género que têm estreado nas nossas salas, nomeadamente essa horrenda epidemia de remakes americanos de filmes de terror estrangeiros.
Portanto, já sabem o que é que vos resta fazer dia 19 de Junho, ir ver “O Orfanato” no cinema mais próximo, esperando-se que o filme seja distribuído como deve ser, e não deixar que um filmaço destes, tão tocante emocionalmente e tão estimulante intelectualmente, passe injustamente despercebido em Portugal. ‘nuff said!

Nota: o "O Movie, Where Art Thou?" desenvolveu um parceria com o "IndieFrente", programa de rádio dedicado à música Indie que lançou agora uma rubrica de cinema e que teve a amabilidade de nos convidar para elaborar os conteúdos da mesma, sendo que para a 1ª edição falamos portanto do incontornável "El Orfanato".
Assim, para além de ler no blogue algumas das nossas críticas, poderão ouvir-nos a falar desses mesmos filmes ou no Programa, todas as sextas das 20h às 22h, ou posteriormente através de podcast. Para isso, relembramos os links necessários, que já constam da lista do blogue: "IndieFrente" (myspace) ou "Caixa Pirata" (site próprio). Contamos convosco e fica aqui um grande abraço e um obrigado aos Produtores do IndieFrente.

1 comentário:

Marisa Borges disse...

Bela crítica, não poderias ter voltado melhor. Força, és muito bom naquilo que fazes.
Keep going on, no matter what!