domingo, 20 de abril de 2008

Estreias de Abril: os filmes a ver (2ª parte)

Depois de uma 1ª parte onde destacamos “[Rec]” de Jaume Balagueró e Paço Plaza assim como “Youth Without Youth” de Francis Ford Coppola (que entretanto já vimos e que, apesar de nos ter parcialmente convencido, não deixa de ser um belo regresso de um mestre há demasiado tempo afastado do grande ecrã), estamos de regresso para a 2ª parte dos filmes a ver neste prolífico mês de Abril (o mês de Maio ainda promete mais estreias, pelo menos em quantidade). Assim, são mais 3 incontornáveis para ir ver este mês numa sala de cinema digna desse nome:

- “We Own The Night” de James Gray:
Terceiro filme do talentoso e infelizmente pouco conhecido realizador americano James Gray, “We Own The Night” continua a explorar os temas de predilecção do cineasta, os mesmos que marcaram a diferença nos trágicos “Little Odessa” (1994) e “The Yards” (2000). Aliás esse poderá ser o único verdadeiro defeito a apontar ao seu novo filme, não se regista uma verdadeira evolução temática no cineasta e é inevitável uma impressão de déjà vu. Todavia, ninguém conta histórias como James Gray e sobretudo ninguém explora com tanta emoção e intensidade as relações humanas e familiares no seio do filme de género tradicional. Assim, relembrando à primeira vista os universos de Martin Scorsese ou de Francis Ford Coppola, o cineasta desmarca-se de qualquer influência, criando o seu próprio universo, ao introduzir a noção de tragédia, no sentido shakespaeriano da palavra, em histórias de crime aparentemente já vistas, fazendo da mesma o verdadeiro cimento que interliga todas as peças dos seus argumentos.
Em “We Own The Night”, reencontramos portanto tudo o que faz o preço dos filmes de James Gray, ou seja, as relações familiares tensas e ambíguas, os eternos dilemas entre ser quem queremos ser ou ser quem a nossa família quer que sejamos, as noções de dever, de lealdade, de redenção, de escolha, a ténue fronteira ente o bem e o mal, a traição, a perda e o sacrifício. São estes sentimentos que o cineasta leva ao auge da emoção pura através de um história tradicional de polícias e ladrões, apoiando-se na sua habitual realização sóbria e numa direcção de actores como poucos são capazes. De facto, Gray nunca foi um realizador virtuoso da câmara mas sim muito mais um esteta, no sentido de que o valor dos seus quadros prende-se sobretudo pelo trabalho da luz, pelo posicionamento das personagens e pela quantidade de informação contida no enquadramento. Nesse contexto, o cineasta transforma-se num enaltecedor do pormenor, onde a importância é dada antes de tudo aos gestos, aos olhares, às atitudes, numa sobriedade e aparente simplicidade em total contraste com a complexidade do que se passa no interior das suas personagens torturadas. Da mesma forma, um resultado tão emocionalmente forte não seria possível sem uma direcção de actores perfeita, sem dúvida uma das maiores qualidades de James Gray. Assim, o filme vale muito pelas interpretações, desde os seus actores fetiches Joaquin Phoenix (muito intenso) e Mark Wahlberg (impecável de contenção), passando por Robert Duvall (imperial) e por uma Eva Mendes surpreendentemente credível e inspirada, mais uma prova da magia operada pelo realizador.

Não se fiem portanto no trailer que tenta vender um filme de crime recheado de acção e tiroteios, “We Own The Night” é um filme de uma sensibilidade à flor da pele que nos leva pelos caminhos difíceis dos nossos demónios interiores, onde as nossas contradições e os nossos dilemas morais se confrontam de forma contida mas violenta com a nossa identidade intrínseca e os nossos laços familiares mais profundos. Até nas suas 3 cenas de acção, que demonstram que o realizador continua a crescer, uma brutal rusga num laboratório clandestino, uma perseguição de carros em plena chuva torrencial que William Friedkin não teria renegado e um showdown final altamente simbólico, James Gray continua a privilegiar as suas personagens e o que elas ressentem face aos acontecimentos, multiplicando o impacto emocional dos mesmos no espectador. Como terão percebido, “We Own The Night” é mais um grande filme de James Gray, um cineasta que merece sem dúvida ser muito mais conhecido e reconhecido. Estreia a 17 de Abril.

- “Diary of the Dead” de George A. Romero:
Este mês de Abril marca também o regresso do mítico George A. Romero às salas nacionais. Tínhamos deixado o mestre de Pittsburgh em plena forma após um “Land of the Dead” cheio de raiva e de mestria visual, digno 4º volume da indispensável saga dos mortos-vivos. Verdade seja dita que o seu novo filme, “Diary of the Dead”, 5º filme de zombies para o cineasta, começou por nos inquietar seriamente. De facto, Romero sucumbiu à moda actual do reality-cinema, recorrendo aos mesmos métodos de filmagens que “[Rec]” ou “Cloverfield”, e só podíamos estar dubitativos quanto ao resultado. Foi infelizmente de pé atrás que entramos na sala de cinema.
Daí que a surpresa saiba ainda melhor! Pois é, “Diary of the Dead” é simplesmente um filme de uma inteligência e de uma ferocidade que não estávamos à espera, apesar de sermos fãs incondicionais de George A. Romero. Mesmo se o filme é no final inferior aos 4 filmes anteriores do mestre, porque não consegue reiterar a mistura perfeita de filme de terror visceral e de panfleto político-social poderoso, “Diary of the Dead” revela-se uma verdadeira reflexão sobre o poder das imagens e a responsabilidade de quem filma, abordando de forma frontal os temas dos medias, da overdose de informação das nossas sociedades modernas e da utilização dessa informação pelos poderes políticos. Assim, se o método de filmagem continua a ser discutível, Romero tem a inteligência, ao contrário dos cineastas que têm recorrido a esse método, de justificar a sua escolha temática e intelectualmente, ao fazer do seu “Diary of the Dead” um falso filme de terror mas uma profunda reflexão sobre o cinema e o impacto das imagens sobre o espectador. Óptica muito arriscada, essa postura self-conscious dentro do filme de género dá geralmente sempre para o torto, mas Romero tem tanta segurança no seu discurso e domina de tal forma os códigos do género que nunca cai no cinismo ou no distanciamento, mesmo quando recorre a um humor referencial surpreendente.

Aliás, se há um filme com o qual se pode comparar “Diary of the Dead”, é na realidade o “Redacted” de Brian De Palma, também um panfleto hardcore, neste caso sobre a guerra do Iraque, mas que se questiona sobre as imagens e o poder das mesmas. Mas onde o ensaio de Romero acaba por ser superior ao do De Palma é porque o realizador de Pittsburgh nunca se esquece que a sua reflexão se insere num filme de género, brindando-nos com suficientes cenas de zombies e de gore in your face para nos lembrar que estamos efectivamente num filme de George A. Romero. Até o gore, marco de fabrico do cineasta, assume uma carga simbólica como nunca tínhamos visto antes.
Dessa forma e pecando apenas por ser perfectível em termos de filme de terror puro, “Diary of the Dead” é de uma coerência imparável e obriga-nos a reflectir constantemente sobre o que estamos a ver e ouvir, pondo em questão aquilo em que acreditamos e fazendo-nos assumir as nossas responsabilidades no estado actual do mundo. Paralelamente, Romero não se esquece das suas habituais cenas viscerais, onde as personagens (jovens actores desconhecidos particularmente convincentes) passam o tempo a matar desconhecidos, familiares ou até entre eles, e também de um tom francamente pessimista, que tem vindo a crescer ao longo da saga, explodindo numas imagens finais de gelar o sangue.
Contra todas as expectativas, “Diary of the Dead” é um reboot inesperado de uma das sagas mais importantes da 7ª Arte, um filme indispensável de um cineasta cada vez mais lúcido sobre as nossas sociedades e imparável no seu domínio dos códigos do cinema de género. Estreia 17 de Abril.

- “Blade Runner” de Ridley Scott:
Para acabar o mês em grande, nada melhor do que redescobrir um dos melhores filmes da história da 7ª Arte (quem disse o melhor?) numa sala de cinema. De facto, muitos nunca viram “Blade Runner” de Ridley Scott no cinema, tendo gasto anos a fio a banda magnética da sua velha cassete de vídeo. Aproveitando os 25 anos do filme, “Blade Runner” na sua versão final cut irá estrear nos cinemas nacionais, esperando-se que não seja num circuito de salas demasiado restrito.
E que dizer sobre este filme? Que se trata simplesmente de uma obra-prima absoluta do cinema e que merece ser estudado extensivamente, o que se calhar faremos neste blogue um dia destes, it’s a promise! Portanto, se vão ver um único filme no cinema este mês, já sabem qual é que devem escolher. Estreia 24 de Abril.

Para o mês de Abril é tudo, preparem-se desde já para um mês de Maio carregadíssimo. We’ll be back!

Sem comentários: