sábado, 12 de setembro de 2009

"MOTELx 2009": Balanço Dia 1

Conforme tínhamos anunciado várias vezes no blogue, a 3ª edição do MOTELx iniciou-se dia 02 de Setembro. Após a divulgação da programação 2009 e dos convidados que demonstrava que um patamar tinha sido atingido em relação às 2 edições anteriores, o MOTELx 2009 só podia ser ansiosamente aguardado por qualquer aficionado português de terror digno desse nome.
Particularmente entusiasmados, fomos assim assistir à Sessão de Abertura do Festival às 21h45 mesmo se a verdadeira primeira sessão do Festival ocorreu às 10h da manhã com a exibição de “Nocturna”, filme de animação espanhol de Adrià García e Victor Maldonado, no âmbito da Secção Lobo Mau dedicada às crianças.
Tomando lugar, como habitualmente, nos cinemas São Jorge na Av. da Liberdade em Lisboa que, apesar de boas condições de imagem e de som, precisa urgentemente de uma renovação, nomeadamente a nível das cadeiras (torna-se difícil sobreviver a 5 dias de Festival sentado naquilo) e do ar condicionado (que não tem!), as luzes da grande Sala 1 apagam-se de repente para aparecer no ecrã o videoclip “Thriller” de Michael Jackson em versão integral realizado evidentemente por John Landis, um dos homenageados pelo Festival.
Depois desta entrada nostálgica e bem-disposta, os espectadores são portanto acolhidos pela equipa do MOTELx, um bando de jovens antes de tudo fãs do género que numa apresentação mais preparada do que os outros anos mas felizmente convivial à mesma, nos põem a par da rica programação desta edição para além da presença de vários convidados de renome como o grande Stuart Gordon, o já citado John Landis, o documentarista Yves Montmayeur entre muitos outros num Festival que entrou sem dúvida definitivamente para a lista dos Festivais do género a seguir que decorrem ao longo do ano na Europa.

Mas estamos cá para ver filmes, como diria um dos organizadores, e começa portanto “Rogue” de Greg McLean, realizador australiano do aclamado “Wolf Creek” que foi exibido comercialmente nos cinemas nacionais. Filme de 2007, “Rogue” foi ignorado pelos seus próprios produtores, os execráveis Irmãos Weinstein através da Dimension Films, que mal o distribuíram nos ecrãs norte-americanos em meados de 2008, tendo estreado posteriormente sobretudo em DVD a nível internacional.
Ainda inédito em Portugal, o MOTELx procurou corrigir esta injustiça para o nosso maior prazer já que a segunda longa-metragem de Greg McLean é um excelente filme de monstro bem superior a muitos filmes deste subgénero e, acessoriamente, superior ao seu tão falado “Wolf Creek”.
De facto, “Rogue” é um filme de crocodilo gigante, o que poderia deixar pensar que, como é costume, trata-se de um filme a avacalhar onde o ridículo da situação se mistura com o gore e o susto fácil. Pois bem, “Rogue” é o exacto oposto desse tipo de filme e assume-se facilmente como um dos filmes de monstro mais credíveis de sempre. Ao contrário de alguns cineastas da nova geração do cinema de género, Greg McLean é daqueles que digeriu perfeitamente as suas influências de fanboy e em apenas 2 filmes já criou o seu estilo narrativo e visual. Greg McLean é o que se pode chamar um realizador inteligente porque numa época onde impera o torture porn e os efeitos in your face da 3-D que não passa ainda de um mero gimmick, o cineasta australiano concentra os seus esforços na caracterização de personagens e na moderação dos seus efeitos, privilegiando a empatia e a identificação dos espectadores assim como o crescendo do sentimento de medo.

Foi certamente por estas escolhas que o filme acabou por ser posto de parte por produtores apenas preocupados com receitas de bilheteira e desejosos de um filme da moda. Mas são precisamente as opções de McLean que fazem de “Rogue” um grande filme e também um passo importante na maturidade do autor de “Wolf Creek”. De facto, os defeitos de “Wolf Creek”, ou seja, uma primeira parte demasiado longa e mal ritmada que não era inteiramente convincente na caracterização das 3 personagens principais, encontram-se aqui geridos de forma muito mais segura e também mais ambiciosa, sendo que a quantidade de personagens é bem superior. Assim, toda a primeira parte de “Rogue” é exemplar em termos narrativos e de desenvolvimento de personagens. Levando o seu tempo para instalar a história, McLean vai destilando com parcimónia e de forma progressiva detalhes sobre cada uma das personagens ao mesmo tempo que posiciona lentamente o seu grupo de protagonistas na situação que irá despoletar os acontecimentos trágicos que febrilmente esperamos.
Desta forma, de espectadores externos ao filme passamos sem nos apercebermos a companheiros de aventura das personagens, como se estivéssemos sentados ao lado deles no barco que pouco a pouco se dirige sem saber para o território do crocodilo mais perigoso que a Terra conheceu. Ao mesmo tempo que o cineasta nos transporta para o interior do seu filme, é também, através de uma câmara precisa e ampla, apresentado de forma muito eficaz o ambiente fascinante e perigoso do outback australiano, tornando a paisagem um dos protagonistas do filme com uma grande importância nas decisões e acções das personagens na sua iminente luta pela sobrevivência. Exímio na caracterização das personagens (ajudado por um elenco de actores, principais e secundários, muito bem escolhidos e dirigidos), Greg McLean é também excelente em termos visuais, contando a sua história pela câmara e fazendo o uso acertado do seu conhecimento do ambiente particular do território australiano.
Mas o radicalismo da postura de McLean não se fica por aqui, porque quando os problemas começam, o realizador continua a reter os seus efeitos, preservando ao máximo as aparições do seu monstro (que só veremos verdadeiramente no fim do filme) e credibilizando até onde é possível todos os acontecimentos graças ao conhecimento profundo do comportamento real de um crocodilo. O efeito no espectador traduz-se assim pelo facto de estarmos constantemente alertas ao que pode acontecer, tudo se transformando em ameaça, desde um simples plano sobre a água até um barulho ao longe à partida anódino. Lógico que quando o animal entra em acção, o efeito provocado no espectador seja muito mais forte, consequência directa da paciência que caracteriza a construção narrativa e visual do realizador.
No final, um filme que nas mãos de um realizador básico se transformaria num filme frustrante e previsível, resulta num momento visceral onde a inteligência do espectador é sempre respeitada (desafio qualquer espectador a descobrir com antecedência quem vai morrer ou sobreviver) e onde a nossa implicação emocional é recompensada da melhor maneira com um final grandioso que, após uma rigorosa contenção de efeitos de todos os instantes, nos permite apreciar totalmente o monstro do filme para além do talento de Greg McLean para a acção e a gestão dos efeitos especiais, prova que o realizador é definitivamente um cineasta completo e multifacetado, e que não se esqueceu que também está a fazer um verdadeiro filme de género no limiar do fantástico.
“Rogue” foi assim sem dúvida uma excelente escolha para abrir este MOTELx 2009, divulgando um filme que não merecia passar despercebido e dando o mote do Festival para as interessantes e diversificadas propostas de terror que nos esperam nos próximos dias.

Aliás não foi preciso esperar muito para assistir ao segundo filme da Secção Serviço de Quarto com a exibição às 00h15 de “Manhunt” de Patrik Syversen, survival norueguês se calhar mais conhecido pelo seu título original “Rovdyr”. Temos de admitir que nos baldámos a esta sessão para conservar forças para o resto do Festival que irá ser exigente, todavia, já vimos o filme portanto podemos emitir um comentário.
“Manhunt” é daqueles filmes que nada traz de novo ao género e cuja história já foi vista milhares de vezes. No entanto, o filme ganha alguma dimensão por ser norueguês e por revelar um realizador suficientemente competente para merecer o título de cineasta a seguir. Contando a eterna história de um grupo de jovens (aqui 2 casais nos anos 70) de viagem para passar um fim-de-semana nas montanhas que irão tentar sobreviver ao confronto inesperado com um grupo de caçadores locais sedentos de sangue, “Manhunt” compensa a sua tremenda falta de originalidade pela instalação de um verdadeiro ambiente através de uma utilização eficaz dos cenários e da luz tão particular das paisagens norueguesas. Sem grandes invenções, Patrik Syversen apresenta um trabalho visual seguro, com uma câmara muito próxima das suas personagens e do pesadelo que estão a viver, e racionaliza os seus efeitos gore que quando irrompem no ecrã conseguem um verdadeiro impacto no espectador.

À semelhança da saga “Cold Prey” aka “Fritt Vilt” oriunda do mesmo país, “Manhunt” é uma proposta modesta e humilde mas competente e astuta na utilização das particularidades da cultura norueguesa, um ponto de partida respeitável para o estabelecimento de uma verdadeira cultura do filme de terror norueguês, daqueles que desesperamos de ver um dia imergir em Portugal. Pequeno filme simpático e eficaz, “Manhunt” não surpreende mas diverte e respeita o género que ilustra, o que já não é pouco pelos tempos que correm, para além de pôr Patrik Syversen no mapa dos cineastas de cinema de género, só por isso...
Após um primeiro dia ideal para entrar no Festival, regressaremos em breve com o balanço do um 2ª dia onde as coisas já começam a acelerar, nomeadamente com um curioso filme belga, “Linkeroever” de Pieter Van Hees, a incontornável obra-prima absoluta e traumatizante “Martyrs” de Pascal Laugier e ainda o primeiro filme da homenagem ao mestre Stuart Gordon, “Edmond”. Stay tuned!

1 comentário:

Marisa Borges disse...

Oi Mr. Hand

confesso que já tinha saudades de ler uma crítica sobre cinema saida das tuas palavras, sabes porque? Nas tuas críticas, muitas vezes, encontro as razões cinematográficas de eu gostar de um filme e não de outro. O facto de me ligar com esta ou aquela personagem, mas contigo compreendo que não tem só a ver com o guião mas principalmente com a visão do realizador. Como ele iconiza as personagens e nos apresenta as stuações, através de jogos de câmara (que vejo) mas que não sei dizer quais são! Obrigada, uma critica tua é uma aula de cinema :)

PAra mim Rogue foi uma surpresa mas uma muito boa surpresa. Crocodilo gigante nos tempos que correm no cinema era bem provavel que terminasse numa sessão com os cromos na sala a rirem à toa e e a perder o feeling do filme, mas poderia eu estar mais errada? É se dúvida um filme pensado, digerido e bem construido. O monstro é respeitado e tratado como se uma personagem fosse, com personalidade e tudo. Com personagens tão bem conseguidas, podemos passar para o cenário e como este as aterroriza. Há um crescendo em emoções que termina naquela cena de loucos (no bom sentido, claro)! Mas só não concordo contigo num aspecto, acho que é perfeitamente identificável quem sobrevive, pelo menos dois deles. Quanto ao quem morre, aí já te dou razão...muito bem esgalhado, certo?

Estou em pulgas para continuar a ler a tua perspectiva do MOTELx, pois este ano eles rularammmmm

Beijocas e volta em breve