sábado, 24 de maio de 2008

"Triangle": crítica

Infelizmente eclipsado pela estreia do 4º filme da saga “Indiana Jones” e ainda pior distribuído que “La Habitación de Fermat” (apenas uma sala a nível nacional, uma vergonha), “Triangle” é simplesmente o melhor filme deste mês de Maio.

- “Triangle” de Tsui Hark, Ringo Lam e Johnnie To:
Merecidamente distinguido pelo prémio de Melhor Filme da Secção Oficial Orient Express no Fantasporto 2008, “Triangle” é um sonho de cinéfilo porque realizado por 3 dos nomes mais importantes do cinema de Hong-Kong, o génio imprevisível Tsui Hark, o atípico e seco Ringo Lam e o surpreendente e talentoso Johnnie To. Funcionando na base do conceito do cadavre exquis que consiste em criar uma história por vários artistas sem que nenhum deles saiba do trabalho dos outros, “Triangle” é uma obra conceito que resulta num curioso pedaço fílmico que disserta de forma original sobre o destino, as relações humanas, os objectivos pessoais e o que estamos dispostos a perder para atingir sonhos ilusórios.
Para além disso, “Triangle” é também um formidável prazer para quem quer estudar ao pormenor, e sem didactismo nenhum, a ciência da diegese cinematográfica através de 3 gramáticas formais diferentes mas aqui em perfeita sintonia.
Esta história a priori banal de três personagens, cada uma com os seus problemas pessoais e desejosas de fugir das suas vidas, que montam um esquema para roubar um tesouro seguindo as indicações de uma misteriosa personagem, permite a estes 3 cineastas fora de série transcender a ideia de partida e proporcionar uma obra densa, estranha, profunda e absurda, conseguindo preservar o estilo específico de cada um ao mesmo tempo que se constrói progressivamente uma unidade de tom e temática inesperada.

Assim, Tsui Hark é o primeiro a entrar em cena e trata de expor os objectivos da história, de apresentar as personagens e de deixar antever as temáticas a desenvolver. A mestria do cineasta é mais uma vez impressionante e, entre movimentos de aparelho de uma precisão milimétrica e quadros poderosos que valem mais que mil palavras, somos de imediato transportados para o universo do filme e para os dilemas das personagens. É incrível ver com que facilidade Tsui Hark organiza todas as linhas narrativas, num autêntico acto de malabarismo, onde cada problema das personagens (a mulher infiel de Simon Yam e o seu amante polícia corrupto que chantageia Louis Koo enquanto o mesmo é pressionado por mafiosos por causa de um golpe, tentando arranjar um condutor para esse mesmo golpe na pessoa de Simon Yam, wow!) se transforma numa possível direcção a explorar para o realizador que virá a seguir. Sem contar a introdução de um ambiente subtilmente fantástico através da personagem fantasmagórica do velho misterioso que propõe ao improvável trio o roubo do famoso tesouro, uma túnica bordada de ouro, e da caracterização da cidade (a lembrar curiosamente Johnnie To), sempre tratada como uma verdadeira personagem.
De seguida, ficou então a cargo de Ringo Lam explorar os temas e as linhas narrativas introduzidos por Tsui Hark, sendo da responsabilidade de Johnnie To concluir o filme. Nesse contexto, Ringo Lam acaba por ter a parte mais difícil da história mas safa-se de forma brilhante. Contrariando um pouco o seu estilo visual geralmente seco e brutal, o cineasta escolhe explorar o lado sombrio das suas personagens, nomeadamente do casal Simon Yam/Kelly Lin, como tão bem o fez nos seus filmes anteriores. Para tal, leva as suas personagens num turbilhão de emoções dúbias e de acções ambíguas, onde a violência se mistura com momentos de ternura repentinos, desenvolvendo mais além o ambiente onírico e absurdo esboçado por Tsui Hark no seu segmento. A cena no prédio abandonado é nesse aspecto um modelo de cena de amor visceral e trágica, magnificada por um jogo de luz evocativo e um ambiente surrealista que traduz na perfeição o percurso interior das personagens ao longo do filme.

O testemunho passa de seguida para o iconoclasta Johnnie To que vai concluir esta história da melhor forma possível, entre excelência visual e rigor temático imparável. Pegando no aspecto mais absurdo dos acontecimentos, o início do seu segmento faz penetrar o espectador por completo no universo de fantástico ambíguo até aqui desenvolvido (veja-se o tratamento reservado à personagem de Kelly Lin e a introdução da personagem de mecânico vigarista e parkinsoniano interpretada por Lam Suet, actor fetiche do realizador).
Assim, todas as envolventes do filme reencontram-se num restaurante isolado no meio de uma floresta, onde o trio principal, a mulher de Simon Yam, o amante polícia corrupto, os mafiosos, um polícia motard e o mecânico vigarista vão se confrontar num bailado de movimentos de objectos e de corpos que numa fase inicial relembra curiosamente Tsui Hark (particularmente o fabuloso “Time and Tide”) mas, no seu progressivo imobilismo da acção e clímax falsamente anti-espectacular (o plano largo da floresta perturbada pelo fumo das balas a sair das pistolas), não deixa dúvidas sobre quem está atrás das câmaras.
O final ganha portanto contornos altamente oníricos, sendo que as personagens têm de aceitar o seu destino e saber assumir o lugar que lhes está reservado no universo. Não será então gratuito o filme acabar com as personagens principais num carro a percorrer um caminho de província numa noite escura fracamente iluminada que, ao cruzar-se com a velha figura fantasmagórica que despoletou toda esta aventura, carrega desta vez no acelerador sem olhar para trás. Ao escolher a vida no seu sentido mais pleno, há que aceitar o caminho que está a nossa frente, com os seus obstáculos e as suas incertezas.
Logo, “Triangle” é simplesmente de uma inteligência rara e um filme arriscado de 3 experimentalistas sobredotados, para quem o domínio da 7ª Arte já não tem segredos, o que não os impede de se questionar sobre o media que utilizam. Original, visual e tematicamente estrondoso, “Triangle” é portanto também uma profunda reflexão sobre o cinema, a sua gramática estética, a sua dialéctica narrativa e de que forma a destruturação e a desorganização podem ser criadoras de matéria para trabalhar. A organização do caos de Tsui Hark, o mergulho nas zonas negras do ser humano de Ringo Lam e a movimentação estática como reflexão na interacção com o meio ambiente de Johnnie To, é disto que é feito “Triangle”. 3 visões, um filme único. Um sonho de cinéfilo, meus amigos, um sonho de cinéfilo!

2 comentários:

Unknown disse...

Basicamente, não tenho nada a acrescentar a esta fabulosa critica, cortesia do grande Mr.Hand.
Só queria dizer para os criticos nacionais pseudo-intelectuais, sim estou a falar de vocês jornalistas do JN E Do Publico palhaços do caralho!!!!!!, para porem os olhos nesta critica, irem para a escolinha de novo para aprender a ler e a escrever, e depois voltem a dar bitaites ok?



Viva o omoviewhereartthou.blogspot.com, viva o Mr. Hand, viva o cinema de género integro e transgressivo e acima de tudo, viva as opinioes independentes e bem explanadas, como as deste site!!!!

Anónimo disse...

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